A figuração ou motivo dos selos clássicos (1ª parte)
José Luiz Perón

        Apesar de vários ensaios e tentativas precursores, o selo, tal qual o conhecemos hoje, só se tornou uma realidade postal e filatélica graças ao sucesso da Reforma Postal Inglesa de 1839, que instituiu não apenas a unificação das tarefas internas (reduzidas no porte mais simples de até meia onça = 14,2g de peso a um penny), como ainda o pagamento prévio da franquia da correspondência (tornando obrigatório a partir de 1853).

        Podemos afirmar, sem medo de incorrer em erro, que, na época de seu surgimento, e até mesmo muito tempo depois, o mundo não estava preparado para ver no selo postal nada além de um timbre oficial de comprovação de pagamento de franquia, nada mais que não lembrasse imediatamente senão uma moeda ou uma nota de banco: a efígie do soberano reinante (nas monarquias) e de figuras alegóricas (nas repúblicas), ou os escudos heráldicos das peças numismáticas, e as cifras indicadoras do valor de franquia, bureladas com linhas, florões e arabescos (para dificultar a contrafação) do papel-moeda corrente.

        Assim, os primeiros selos postais do mundo têm como figuração, praticamente sem nenhuma exceção, um desses três motivos iniciais: a efígie, o brasão e a cifra, ou uma mistura deles. Os outros, como veremos a seguir vieram bem depois, quando, aos poucos, o mundo foi se conscientizando de que o selo postal servia para algo muito mais nobre do que simplesmente representar um atestado, um recibo de pagamento prévio de serviço.

        A Inglaterra, reproduzindo o perfil da cabeça da Rainha Vitória, a partir de uma medalha comemorativa, inaugura o tipo “efígie” nos selos ordinários, com o “Penny Black” e o “Two Pence Blue”, em 1º/5/1840, tipo ao qual se manteria apegada até os dias de hoje, mesmo quando procurou dar um certo destaque às cifras, como nos selos de uma e cinco libras de 1867-1882, 1884 e 1902-1910.

        Conquanto tivesse sido a Suíça a iniciadora do tipo “cifra” na emissão de selos, com os do Cantão de Zurique de 1843, nos valores de 4 e 6 rappen (destacando-se os algarismos brancos e sombreado negro de linhas retilíneas sobre um fundo de burelagem quadriculada em forma de losango), não iria ela retomar esse tipo de figuração, assim mesmo combinando-o com escudo de armas, senão em 1882, em duas séries de 5 e 8 selos, respectivamente.
Penny Black
Two Pence Blue

selo suiço de 4 Rappen de Zurique

        
A Suíça destacou-se sim, e muito não somente como promotora, mas principalmente como cultuadora do tipo “escudo ou brasão”, que ela inaugura com os selos do Cantão de Genebra, impressos em preto sobre verde, ainda em 1843. Estes selos, no valor de 5 cêntimos cada, em que se destacavam o escudo e a divisa de Genebra, individualmente serviam para o porte local, mas, impressos dois a dois , formando um selo duplo no valor de 10 cêntimos, eram destinados ao porte cantonal. Com mesmo motivo e valor individual de 5 cêntimos, e para o porte cantonal, aparecem dois selos entre 1845 e 1848, também em preto sobre verde, e outro na cor verde (sobre branco) no ano seguinte. Aliás, este último não foi propriamente emitido como selo. Na realidade, recortado de um envelope em que era impresso, ele teve seu emprego na selagem de correspondência legitimado por um decreto especial.
  
Selos do Cantão de Genebra para o Port Cantonal


selo recortado de um envelope

        Coube ainda à Suíça outro pioneirismo: o da impressão do primeiro selo do mundo em duas cores, preto e vermelho, o famoso “Pomba de Basiléia”, na cidade do mesmo nome, em 1845, de formato quadrangular e no valor de 2 ½ rappen, também do tipo “brasão”. Seguindo essa orientação bicolor para os selos tipo “escudo” ou “brasão”, preto e vermelho sobre branco, no Cantão de Genebra são emitidos os selos locais de 4 e 5 cêntimos, os chamados “selos de Vaud”, entre 1849 e 1850, com uma cruz branca sobre fundo vermelho dentro do escudo negro formado pela trombeta do postilhão (símbolo dos correios). Também destacando-se em campo vermelho, circundando pelo preto do resto do desenho do selo, aparece a cruz branca federal no “selo de Neuchatel” (Cantão de Genebra), de 5 cêntimos (1851) e no “selo de Winterthur” do Cantão de Zurique (1850), no valor de 2 ½ rappen. Todos esses, a rigor, nas cores, no tipo e nos desenhos, serviram de base para as emissões gerais da Confederação de 1850, 1851 e 1852, num total de 13 selos. Nas emissões seguintes: 1854/1862, 1862 (nesta, pela primeira vez o nome da Suíça nos selos), 1881, 1882/1904, o tipo “escudo” aparece combinado com o de “efígie alegórica”.

"Pomba de Basiléia" (Basiléia)

"Selo de Vaud" (Genebra)

"Selo de Neuchatel" (Genebra)

"Selo de Winterhur" (Zurique)
  O Brasil, primeiro país das Américas a instituir e usar o selo postal adesivo, manteve-se fiel à “cifra” nos 23 anos iniciais de suas emissões, sendo desse tipo os “Olhos-de-Boi” (1843), os “Inclinados” (1844), os “Olhos-de-Cabra” (1850-1866) e os “Olhos-de-Gato” (1855/1866). De 1866 a 1883, os “Barba Escura” (1866), “Barba Branca” (1876), “Auriverde” (1878), “Cabeça Pequena” (1881), “Cabeça Grande” (1882), são todos do tipo “efígie” do Imperador, com o nome do país e a indicação do padrão monetário vigente – réis – que não aparecem nas quatro primeiras emissões.

Cifras
Somente em 1887, com um selo de 300 réis reproduzindo o Cruzeiro do Sul e outro de 500 réis representando a Coroa Imperial, e 1888, com um selo tipo”paisagem” de 1 000 réis em que aparecia o Pão de Açúcar no centro, foge o Brasil à figuração tradicional, à qual voltaria em muitos selos e séries da era republicana.

"Olho-de-boi"


"Inclinado"

"Olho-de-cabra"

"Barba escura"

"Barba Branca"
As Ilhas Maurício, do Oceano Índico, situadas próximo a Madagascar, na África, que foram as primeiras colônias britânicas e emitir selos (1847, com os famosos “Post Office Mauritius”) mantiveram as efígies da Rainha (Vitória) ou da figura alegórica da Grã-Bretanha até 1893, quando as substituíram pelo ”brasão” representativo das ilhas.
selo Post Office da
Ilha Maurício, de 1847
selo alegórico da Grã-Bretanha, de 1860

Os Estados Unidos da América que, entre 1845 e 1847, lançaram as célebres e raras “emissões dos diretores de correios”, do tipo “cifra” (Alexandria, Baltimore, Boscawen, Blattleboro, Providence), “brasão” (Saint Louis) ou “efígie” de Washington (Millbury e Nova Iorque), com as emissões gerais, a partir de 1847, mantiveram inalterado o padrão “efígie” até 1869 (com Washington, Franklin, Jefferson, Jackson e Lincoln), ocasião em que surgem numa série, justamente com as “efígies” tradicionais e o “brasão” nacional encimado pela águia americana, um selo de e cents com a figura do cavaleiro-correio do Pony Express, um de 3 cents com uma locomotiva puxando um comboio, um de 12 cents com um navio “Adriático” e, ainda, um de 15 cents e outro de 24 cents, mostrando, respectivamente, o “Desembarque de Colombo” (quadro de Vanderlyn) e a “Declaração de Independência” (tela de Trumbol), os dois primeiros selos de reprodução de pinturas que se tem noticia (excetuados naturalmente os retratos de celebridades que inspiraram os selos tipo “efígie” ). Essa abertura para novas figurações não tem continuidade imediata nos selos americanos seguintes, os quais continuam representando efígies de antigos presidentes e personalidades importantes até a monumental série de 16 selos retangulares grandes, de 1893, comemorativa do quarto centenário do descobrimento da América.

Os Estados Confederados da América (sul dos Estados Unidos) em sua efêmera existência de quatro anos, durante a “Guerra de Secessão” (1861-1865) emitiram mais de 70 selos provisórios e locais do tipo “cifra” (na maioria tipografados) e um de tipo misto – “brasão” cortado por uma “cifra” – além dos 12 selos do tipo “efígie” nas emissões gerais para a Confederação (Alabama, Arkansas, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Flórida, Geórgia, Luisiânia, Mississipi, Tennensee, Texas e Virginia).


selos do Diretor de Correio de Nova York, 1845



primeiras emissões oficiais americanas de 1847

mbora a Rússia já tivesse feito circular inteiros postais para S. Petersburgo e Moscou em 1845, e para todo o Império três anos depois, o primeiro selo russo, propriamente dito só foi emitido em 1º/12/1858. Este, como todos os demais selos da Rússia até 1904 (e mesmo os emitidos para a Finlândia e a Polônia), era do tipo “escudo” ou “brasão”, com as “Águias Imperiais” no centro.

A França, que inaugura o tipo “efígie alegórica” com a cabeça de Ceres nos selos republicanos de 1849-1850, continua com a efígie presidencial e posteriormente imperial de Luís Napoleão (Napoleão III) entre 1852 e 1870, volta ao tipo “Ceres” no Governo Provisório (1870-1871) e 3. ª República (1871-1875), para abandoná-lo pelo grupo alegórico “Paz e Comércio” das emissões regulares entre 1876 e 1900. Também alegóricos do tipo “efígie” são os selos das séries “Blanc”, “Mouchon”, “Merson” e “Semeuse”, que circularam do início do século ao final da 1.ª Grande Guerra. Outro tipo de figuração não iria aparecer antes da série de selos em benefício dos órgãos de guerra, emitida em 1917-1918.

Selos tête-bêche do tipo "Ceres" de 10 cents, 1850

Efígie de Napoleão III, de 1853

Efígie de Napoleão III laureado


selo de 10 cents da Bélgica com a figura de Leopoldo I

A Bélgica, nos seus selos ordinários (e até mesmo na primeira série comemorativa de 1894), não fugiu à figuração tradicional até 1913. De 1849 até essa data, aparecem 21 selos com a de Leopoldo II (1869-1905) e 8 com a de Alberto I (que continuou até a década de 20); e, ainda, 14 do tipo “cifra”.

A Baviera, o primeiro Estado alemão a emitir selos e o penúltimo a deixar de fazê-lo, jamais fugiu aos três modelos básicos, os quais ela foi seguindo homogeneamente: “cifra” de 1849 a 1862, “brasão” de 1867 a 1911, “efígie” (Luitpold e Luís III) de 1911 a 1919 e “efígies alegóricas” em 1920.


1 Kreuzer preto da Baviera (primeiro selo alemão - 1849)

A Itália, quer através de seus antigos Estados, quer através das emissões oficiais do Reino, não conheceu tipos diferentes dos três convencionais antes dos comemorativos do cinqüentenário da unificação italiana, emitidos em 1911. Os 5 selos austríacos da Lombardia – Veneza de 1850 são “brasões”, os 14 de 1858-1862 são “efígies” de Francisco José I e os 10 restantes de 1863 e 1864 voltam aos “brasões”. Todos os 23 selos da Toscana (1851-1861), assim como os 16 de Módena (1852-1859), os 13 primeiros de Parma (1852-1859), todos os 25 dos Estados Pontificais (1862-1868) e os 9 primeiros de Nápoles são do tipo “escudo” ou “brasão”. Pertencem ao tipo “cifra” os 4 últimos de Parma (1859) e todos os 9 da Romanha (1859). Do tipo “efígie” temos todos os 7 da Sicília – Ferdinando II – (1859), os 8 últimos de Nápoles – Vitório Emanuel II – (1861) e os 15 iniciais da Sardenha – Vitório Emanuel II (1851-1861). Na Itália propriamente dita, contamos nas emissões regulares até 1911, os seguintes números: 69 “efígies” (Vitório Emanuel II, Humberto I, Vitório Emanuel III e Garibaldi), 12 “cifras” e 8 “escudos” com as armas nacionais.


selo de 1/2 BAI, da Romanha 1859

Selo de 1 crazia da Toscana, 1851

Selo de três liras da Toscana com o escudo da Savóia, futuras armas do Reino da Itália, 1860

selo da Sardenha, com a efígie de Vitório Emanuel II, 1851

selo de 1 GR, da Sicília, com a figura de Ferdinando II, 1859

Áustria–Hungria, com selos especificamente para a Áustria, começou com 6 do tipo “escudo” em 1850, passando logo após à reprodução da “efígie” de Francisco José I, tipo quase que exclusivo de 1859 a 1913, interrompido apenas uma vez pela série de 6 selos mistos “brasão-cifra” de 1883. Como selos comuns a ambos os países, há 9 do tipo “efígie” (Francisco José I) entre 1867 e 1880, e para a Hungria, isolada, até 1900 foram lançados 12 selos com a “efígie” do Imperador e 24 com a “Coroa de Santo Estevão” (tipo “brasão”).

Todos os selos da Espanha emitidos até 1905 não apresentaram variação temática: 129 “efígies” da Rainha Isabel II, 12 de Amadeu I, 40 de Alfonso XII, 30 (até então) de Alfonso XIII, 12 “efígies alegóricas” da Regência (1870), 20 alegorias republicanas (1874-1875), 16 “brasões” e 4 “cifras”. O mesmo esquema de emissões, com absoluta predominância das “efígies” sobre os dois outros tipos, foi seguido para as colônias (Antilhas, Cuba, Filipinas e Porto Rico), até a ocupação destas pelos Estados Unidos na Guerra de 1898.
selo de 2 reales da Espanha, com erro de cor (azul e lugar de vermelho), 1851

Segunda colônia inglesa a emitir selos, a Guiana se destaca por detalhes filatélicos: possuir o selo mais raro do mundo – o 1 centavo preto sobre magenta, de 1856 – do qual apenas um exemplar é conhecido, e ter emitido proporcionalmente mais selos provisionais ou de emergência do que qualquer outro país. Exceção feita aos 4 primeiros provisionais de 1850 e aos 3 de 1862, do tipo “cifra”, todos os 80 selos restantes da Guiana, até 1898, são representativos do “escudo” da colônia: um veleiro circundado pelo dístico latino: “DAMUS PATIMUS QUE VICISSIM”.

selo provisional de 4 cents da Guiana Inglesa, 1856


Nova Gales do Sul
(sudoeste da Austrália), a colônia seguinte dos britânicos a lançar selos, mostra duas peculiaridades filatélicas. A primeira é apresentar nos 7 primeiros selos de 1850, como “brasão” da colônia, uma paisagem da capital – a baía Baotany – limitada por uma faixa circular que encerra a divisa: “CAMB. AUST. SIGILLUM NOV.”; a segunda é a de ter sido o primeiro país do mundo a emitir selo com indicação de uma comemoração: os dizeres “ONE HUNDRED YEARS”, nos selos de 1888, relativos ao centenário de Sydney. Entre 1850 e 1888, excluindo-se os já mencionados 7 do tipo “brasão”, erroneamente denominados “Vistas de Sydney”, os outros 51 selos são “efígies” da Rainha Vitória.

José Luiz Perón
Prof. De Filatelia da ESAP.

Revista COFI nº 53 / Julho 1981



Selo de 1 Penny de Nova Gales do Sul impropriamente chamado de "Vista de Sydney", 1850
A figuração ou motivo dos selos clássicos (2ª parte)
José Luiz Perón

Dos Estados Alemães que emitiram selos a partir de 1850, o Hanôver, em seus 14 anos de independência filatélica produziu 12 de tipo “brasão”, 8 de “efígies” e de 5 “cifras”; A Prússia fez 13 “efígies” de Frederico Guilherme IV, 12 escudos da “Águia Imperial” e 2 “cifras”, antes de tornar-se o núcleo da Confederação da Alemanha do Norte e da própria Alemanha; O Saxe apareceu com 1 “cifra” , 11 “efígies” (5 de Frederico-Augusto II e 6 de João I) e 8 “escudos”; o Schleswig-Holstein apresenta 2 selos tipo “brasão” e 22 do de “cifra”. Dos Estados que adotaram o selo a partir de 1851, o Wurttemberg, em suas emissões regulares lançou 31 selos do tipo “cifra” e 30 do “brasão”; o Baden teve 10 do de “cifra” e 15 do de “brasão” ou “escudo”; todos os 16 de Oldemburgo reproduzem o “escudo” de armas da cidade.

selo de 1 schilling, de Schleswig-Holstein, com o escudo da águia bicéfala, de 1850
selo 1/10 de Thaler, de Oldemburgo, de 1852
selo de 5 grote de Bremen, 1856
selo de 1 silber groschen, da Prússia, de 1850, com a figura de Frederico Guilherme IV.

Os outros Estados que emitiram seus selos nos anos seguintes, até a criação da Confederação da Alemanha do Norte, em 1868, também não fugiram aos três modelos primordiais: todos os 52 selos dos “Príncipes Postais” Thurn & Táxis foram do tipo “cifra”; do tipo “escudo” ou “brasão” tivemos os 7 selos de Bergedorf, os 15 de Bremen, os 17 de Brunswick, os 14 de Lübeck, os 8 do Mecklemburgo-Schwerin e os 6 do Meklemburgo-Strelitz; os 23 selos de Hamburgo apresentam-se com “cifra” em primeiro plano e o “brasão” da cidade ao fundo. Em “cifras” são todos os 24 selos da Confederação da Alemanha do Norte (1868-1869) e uma seqüência de cifras e escudos é o que o Reich Alemão apresenta de 1872 a 1900, quando surge então em cena o tipo “Germânia” (efígie alegórica).

Selos dos “Príncipes Postais” Thurn & Táxis de 3 silb. grosch e 6 kreuzer, de 1852, dos Estados do Norte e do Sul da Alemanha, respectivamente

A Dinamarca que começou com um selo do tipo “cifra” e outro do tipo “escudo” em 1851, vai continuar com esses dois tipos, alternados ou combinados, até 1904, quando das primeiras “efígies” de Cristiano IX, em 5 selos.

De “cifra” os provisórios e de “efígies” os definitivos, assim são os selos do Havaí entre 1851 e 1894
.

Selos "Missionários" (provisórios) do Havaí, de 1852
selo com a efígie de Kamehameha III, de 1853, do Havaí (definitivo)

Dos 72 selos do Canadá que saíram entre 1851 e 1898, 71 pertencem ao tipo “efígie” (69 da Rainha Vitória, 1 do Príncipe Alberto, outro de Jacques Cartier). O outro selo, por sinal o primeiro de todos, de 3 pence, vermelho, representa um castor. Embora este selo possa (e deva) figurar numa coleção de Fauna, longe de ser uma emissão especifica, de caráter temático, ele é, na verdade, por incrível que possa parecer, um selo do tipo “escudo” ou “brasão”, porque o castor era o emblema nacional do Canadá (assim como hoje o é a folha de bordo) e, como tal, figurava em moedas e notas de banco.

As diversas partes do Canadá, antigamente separadas do Domínio, pelo menos até 1860, tiveram suas emissões próprias de selos restritas às “efígies” vitorianas (ou do resto da Família Real) e aos “brasões” da colônia: os 3 iniciais de Nova Brunswick (1851), os de n.º 2, 3 e 4 na Nova Escócia (1851-1853) e os 1.º e 15.º da Terra Nova (1857) reproduzem as quatro flores heráldicas do Reino Unido da Grã-Bretanha circundando a coroa real de Santo Eduardo; os selos restantes da série de 1857 e 1862 e todos da de 1862 de Terra Nova representam as flores heráldicas da cidade de São João (a capital) – a rosa, o cardo e o trevo; o primeiro e os 6 últimos selos da Nova Escócia retratavam a Rainha Vitória, assim como 3 dos 6 selos de Nova Brunswick de 1860 a 1863, os 5 primeiros da Colúmbia Britânica e todos da Ilha Príncipe Eduardo.


selo de Nova Brunswick com as flores heráldicas do Reino Unido, de 1851.

selo triangular de 3 pence, de Terra Nova (Canadá) com as flores heráldicas da cidade de São João: a rosa, o cardo e o trevo.

A rigor, a primeira quebra do triptico clássico (efígie/cifra/escudo) ocorreu nos selos da colônia de Nova Brunswick, em 1860, quando, numa série de selos aparecem dois de figuração não-tradicional: o de 1 cent, lilás, com uma locomotiva a vapor alimentada a lenha e o de 12 ½ cents, azul, com um navio, misto de vapor e veleiro.

Selos de Nova Brunswick, de 1860, que fogem à figuração tradicional da efígie, do brasão e da cifra.

A ilha de Trindade, ao largo da Venezuela, com 46 “efígies” alegóricas da “Britânia”, imponente em seu trono imperial, e 8 da soberana inspiradora da alegoria, até 1898, juntamente com a administração antônoma de Vitória (parte sudoeste da Austrália, com 139 selos, entre 1851 e 1904, retratando a rainha que deu seu nome à região, foram as próximas colônias de Sua Majestade Real Inglesa que tiveram selos a partir de 1851. Do ano seguinte, até 1878, Barbados, a próxima colônia do Caribe a surgir filatelicamente para o mundo, faz constar a alegoria da “Britânia” semelhante à de Trindade, em seus selos, figurando só na série de 1882-1886 a “efígie” vitoriana.


O Luxemburgo, de 1852 a 1920, produziu 6 séries do tipo “efígie” com Guilherme III (1), Adolfo I (2), Guilherme IV (1) e Maria Adelaide (2), num total de 60 selos, 5 de “escudos” (46 selos) e uma de “efígies alegóricas” (12 selos), enquanto a Holanda, a partir do mesmo ano até o final do século, tinha emitido 21 “efígie” de Guilherme III e 31 de Guilhermina, além de 7 selos de “escudos” e 5 de “cifras”.

selo de 10 centimes, de Luxemburgo, com a figura do príncipe Guilherme III

selo de 5 cents da Holanda, de 1852, com a figura do rei Guilherme III

Reunião, primeiro território colonial francês a ter seus próprios selos, começou com uma série provisional local (tipo “cifra”) em 1852; as emissões seguintes recomeçam, depois de um interregno de 33 anos, com os selos especiais para as Colônias Francesas “Águia Imperial” (escudo), “Napoleão laureado” e “Ceres” (efígies) sobrecarregados.

O Chile destaca-se por uma originalidade no campo da Filatelia: todos os seus 50 selos dos primeiros 50 anos de emissões (1853-1903) retrataram o descobridor da América Cristóvão Colombo.


Dos 95 selos de Portugal até 1894, 92 são “efígies” reais (D. Maria II, 4; Pedro V, 8; D. Luís I, 50; D. Carlos I, 30) e 3 de “cifras”.

A colônia inglesa do Cabo da Boa Esperança, conquanto inovadora no formato dos selos (os 13 primeiros são triangulares) revelou-se conservadora no tema: 47 anos de “efígies alegóricas” entre 1853 e 1900. Em matéria de conservadorismo, a Tasmânia não fez por menos: no mesmo período só produziu “efígies” vitorianas.



selo de 20 centavos com a efígie de Cristóvão Colombo, do Chile


selos de Portugal de 25 réis (1855), com a efígie de D. Pedro V e de 5 réis (1835) , com a efígie de D. Maria II, respectivamente.


selo triangular do Cabo da Boa Esperança, de 1853

Todos os selos da Austrália Ocidental (1853 – 1913), com exceção dos altos valores da série de 1902 (5 selos), em que aparece a “efígie” da Rainha Vitória, trazem a figura de um cisne e se enquadraram, do mesmo modo que o do castor canadense, no tipo “brasão”, já que este pássaro, que deu nome à primeira feitoria do rio dos Cisnes, era emblema da colônia e, como tal, figurou em selos, em filigranas de papel e em moedas.


A Índia, que se iniciara nos selos sob a égide do domínio britânico com os três selos provisionais locais do Distrito de Scinde em 1852, continua as emissões com os gerais da Companhia das Índias (até 1858), depois com os do Governo da Rainha (até 1877) e, por fim, os do Império da Índia, todos com a “efígie” da Rainha Vitória, num total de 56 selos. As “efígies” dos monarcas ingleses (Eduardo VII e George V) seguem exclusivas nos selos até 1924 e preponderantes (George V e George VI) depois dessa data, até o final do Império (1941).


selo de 1/2 anna do Distrito indiano de Scinde, de 1852


selo da Suécia de 5 skilling banco, de 1855, com as armas reais do país


selo de 4 skilling, da Noruega, de 1856, com a figura do rei Oscar II.

A Suécia, parceira da Guiana na primazia de possuir o selo mais raro do mundo (um exemplar único de 3 skilling banco, amarelo, de 1855), com 51 selos nos primeiros quarenta e sete anos de emissões (1855-1892), teve, nesse período de tradicionalismo, na figuração dos selos, 20 do tipo “escudo” ou “brasão”, 19 do tipo “cifra” e 12 do de “efígies” (Oscar II). A Noruega, como reino unido à Suécia na pessoa do rei Oscar II (até 1905) e mesmo depois de autônoma (Rei Haakon VII), até o aparecimento de seu primeiro selo comemorativo em 1914, só produziu selos dos tipos “brasão” e “efígie”, com nítida prepondência do primeiro.
Vitorianas em suas emissões exclusivas da “efígie” da soberana, a Nova Zelândia e a Austrália do Sul não conheceram outro tipo de selo de 1855 até 1898 e 1899, respectivamente. Santa Helena e Ceilão, entre 1856 e 1902, também não tiveram nos selos outro motivo que o semblante da Rainha, substituído no ano seguinte pelo de Eduardo VII.

selo da Nova Zelândia, de 1 penny, de 1855, com a figura da Rainha Vitória

selo imperial do México, de 1864, no valor de 2 reales

selo do México de meio real, de 1856, com a figura de Miguel Hidalgo
Depois do Brasil e dos Estados Unidos, os próximos países soberanos das Américas a contar com selos foram o México e o Uruguai em 1856. O México teve as suas séries de selos de “efígies” de Hidalgo interrompidas entre 1864 e 1867 pelos “brasões” imperiais e “efígies” de Maximiliano, imperador austríaco imposto pela ocupação francesa do país. Entre 1877 e 1882 aparecem duas séries de “efígie” de Juárez e, antes da última de Hidalgo em 1884, surge uma de “cifras” em 1882, continuada por cinco outras iguais ou semelhantes até 1895. Enquanto isso, o Uruguai se mantinha dentro do padrão “escudo alegórico” até 1866, ocasião em que trocou-o pelos selos do tipo “cifra”. Os de “efígie” datam de 1881-1882 e outras figurações além das três mencionadas não aparecem antes de 1895

Os países seguintes que tiveram seus selos postais nacionais foram, também no continente americano, o Peru e a Argentina, em 1858. Todos os selos peruanos até 1865 (e mesmo alguns posteriores) representam o “escudo” de armas da República. Os tipos seguintes – “lhamas” (1868-1873) e o comemorativo da inauguração da estrada de ferro Callao-Chorrillos (1871) – fogem aos três modelos clássicos, modelos a que o Peru retorna entre 1874 e 1893. Os selos iniciais da Argentina, tanto os da Confederação (1858), quanto os da República (1862-1864) eram do tipo “escudo” ou “brasão”, sentavam o tipo “efígie”. De “efígies”, imitação grosseira do tipo ”Ceres” francês de 1849, foram todos os selos da província de Buenos Aires (1858 e 1859) bem como a única regional de Córdoba (1858) pertencem ao tipo “escudo”.

A România, que teve seus primeiros selos (“escudos”) ainda sob o título de Principado da Moldávia em 1858, depois da anexação da Valáquia (1859), como Principado (até 1881) e depois como Reinado (a partir de 1881), produziu até 1903, 10 “brasões” e 130 “efígies” (Alexandre-João I e Carlos I) em 140 selos.

A Venezuela e a Colômbia (Nova Granada no inicio) começaram suas emissões com selos de “escudos” em 1859. As primeiras “efígies” venezuelanas datam de 1800 e as colombianas, de 1876. Enquanto o primeiro desses dois paises só vai fugir aos padrões básicos tradicionais com a série comemorativa do 4.º centenário do descobrimento da América, em 1892, o segundo fá-lo bem depois, com a série ordinária de 1902-1903



selo de 1 dinero, do Peru, de 1858, com as armas nacionais

selo de 15 centavos da Confederação Argentina, de 1858, com as armas da República


selo de 1/4 de centavo, da Venezuela, de 1861

selo de 2 1/2 centavos da Colômbia (Nova Granada), 1859

Com emissões a partir de 1859, as Bahamas não conheceram antes de 1900 nenhuma figuração em seus selos que não a efígie da Rainha Vitória. O mesmo ocorreu com quase todas as demais colônias inglesas que tiraram selos ainda dentro do período vitoriano: Natal (1859-1902), Malta (1860-1900), Jamaica (1860-1900), Queensland (1860-1900), Santa Lúcia (1860-1902), Granada (1861-1898), São Vicente (1861-1902), Serra Leoa (1861-1902), Antígua (1862-1902), Bermudas (1865-1902), Malaca (1867-1901), Honduras Britânia (1866-1901), Heigoland (1867-1875), Turk & Caicos (1867-1899), Gâmbia (1869-1900), São Cristóvão (1870-1902), Dominica (1874-1902), Lagos (1874-1903), Costa do Ouro (1875-1902), Montserrat (1876-1902), Falkalnd (1878-1903), Nevis (1879-1890), Tobago (1879-1898), Zululândia (1888-1889), Leeward (1890-1902), Zanzibar (1895-1896), Nigéria do Norte (1900-1901) e Nigéria do Sul. África Central Britânica, a África Oriental Inglesa, a África do Sul e Bornéo do Norte, com “brasões”, os Estados Indianos com ”cifras” na maioria, as ilhas Virgens com “efígies alegóricas” são as exceções do período.

selos das Bahamas, de 1 penny e 6 pence, respectivamente, de 1859 e 1861, com a figura da rainha Vitória.



selo de 3 pence do Canadá, de 1851, com a figura heráldica do castor

Como tivemos a oportunidade de ver, embora as duas primeiras mudanças efetivas na padronagem dos selos ocorressem na década de 1860, no Canadá e nos Estados Unidos, elas não se generalizaram senão antes do último quartel do século passado e, assim mesmo, um número razoável de países que emitiram seus primeiros selos depois daquela data dobrou a marca dos 1900 sem fugir às “efígies”, às “cifras”, e aos “brasões”, como Costa Rica (até 1900), Bulgária (até 1902), Sérvia (até 1904), Bósnia-Herzegovina (até 1905), Paraguai (até 1905), Haiti (até 1906), Equador (até 1908), Colônias Portuguesas (até pelo menos 1910), Turquia (até 1911), Nicarágua (até 1912), Bolívia (até 1916), Levante (até a 1ª. Grande Guerra), Índia Portuguesa (até 1919), Islândia (até 1925), Índia Holandesa (até 1930) e Irã (até 1935).

BIBLIOGRAFIA
AUDRAS, René-Pierre, Lês Timbres. Paris, Stock, 1972.
BLAIR, Arthur. The World of Stamps and Stamps Collecting. London, Hamlyn,
1972.
MACKAY, James A. L’Univers des Timbres. La Periode Classique 1840-1870. Fribourg (Suíça),
Office du Livre, 1972.
YVERT & TELLIER. Catalogue de Timbres-Poste. Amiens, Yvert & Tellier, 1981, 5 tomos.

José Luiz Perón
Prof. De Filatelia da ESAP.

Revista COFI nº 54 / Agosto 1981

 
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