Queixava-se
o pavão
A Juno e lhe dizia:
"Deusa, não é sem mágoa ou sem razão
Que me queixo e murmuro.
É
tão rouco e obscuro
O canto que modula esta garganta
Que desagrada a toda a natureza
E, vede o rouxinol!! Quando ele canta
Tem sua voz tão límpida beleza
Que entre os outros gorjeios vibra e impera
Glorificando a própria primavera!"
E
Juno lhe responde, envaidecida:
- "Cala-te, ave mesquinha e insatisfeita;
Não te cabe invejar a voz sentida
Do rouxinol. Não basta teres feita
Tua plumagem de irisadas sêdas?
Tu,
que ostentas, vaidoso, em tua cauda
Tons de rubi, safiras e esmeralda
E que pareces, com teu brilho vário,
A vitrina de um rico lapidário,
Crês que possa existir ave tão linda
Que mais do que tu és o seja ainda?.. |
Que
animal em si mesmo poderia
Resumir graça, força e galhardia?
A cada um de vós, um quinhão demos
De glórias - e diversos vos fizemos:
Uns têm, para seu bem, força e grandeza.
O
falcão é ligeiro, a águia altaneira,
A gralha traz presságios de tristeza,
O corvo fala de destino alheio
E, diversos que são, desta maneira
Lhes basta o seu gorjeio.
Cessa,
pois, tua queixa sem razão
Ou, para te punir, tirar-te-ei
O esplendor e a beleza que te dei
Na soberba plumagem de pavão!" |