|
APRESENTAÇÃO
Já
disse mil vezes para não me chamar de senhora. Em primeiro lugar,
porque sou. Pelo menos cronológica e fisicamente. Posso não
ser lá muito ortodoxa, mas sou. Marcelo, porém, insiste:
sim, senhora; não, senhora; quando a senhora puder.
E eu, que nem dou, nem deixo ninguém me dar senhoria assim com
tanta facilidade, acabei por me acostumar, e abri uma exceção.
A coisa toda começou
com uma voz jovem, agradável, que explicava, macia e cerimoniosa:
- Meu nome é Marcelo Del Cima. A senhora não me conhece.
Tomei a liberdade de lhe telefonar porque vou fazer uma exposição
sobre o tema Sarah Bernhardt no Brasil e soube de sua coleção
de peças da Belle Èpoque. Gostaria que a senhora participasse
da mostra.
Aquela
foi a primeira das tais mil vezes em que dispensei tanta senhoria. Não
adiantou nada, mas eu participei assim mesmo. A exposição
foi, em si, uma obra de arte de organização, bom-gosto e
requinte. Difícil acreditar que fosse (como realmente era) a primeira
experiência de Marcelo como idealizador e curador de exposições.
As peças eram belas e raras. Algumas da coleção particular
do próprio Marcelo. Fotos, móveis, leques, postais, manuscritos,
recortes de jornais, fotos autografadas, desenhos, tudo em uma ambientação
de época cuidadosíssima.
Estavam lá também as fotografias que Marisa Alvarez Lima
fizera para a peça recém-estreiada, em que Tonia Carrero
interpretava Sarah. E vasos, de Galle, Lallique, Tiffany, todos de belíssimo
colorido e textura, num dos quais - inesquecível - o perfil de
Sarah Bernhardt tinha por fundo o Corcovado... ainda sem o Cristo, é
claro!
Em meio a tanto luxo, meus cartões-postais e o cartaz de Mucha
que servira para anunciar Sarah Bernhardt em Lorenzaccio eram como primos-pobres:
sentiam-se honradíssimos pelo convite, mas não sabiam bem
o que estavam fazendo ali.
"Le tout Rio"
compareceu ao coquetel do vernissage. Estavam lá, desde artistas
de teatro, cinema e televisão a arquitetos, decoradores e antiquários.
Da juventude dourada a intelectuais, médicos ilustres, amigos do
pai de Marcelo, também médico e ilustre, jornalistas e os
tipos mais exóticos da paróquia, ao lado de senhores elegantes
e impecáveis, e inconfundíveis sobrenomes dobrados e triplicados.
Encerrada a exposição, os cartões foram-me devolvidos
em perfeito estado, na hora e data aprazadas, e o Mucha voltou enriquecido
pela bela moldura de época em que Marcelo o exibira em sua exposição.
Seguiram-se outros e sempre
irrepreensíveis trabalhos de Marcelo Del Cima. O mesmo sucesso
de público e crítica. A mesma originalidade e tema, igual
seriedade de pesquisa e aprofundamento no assunto. E o encontro com Yolanda
e Helio Roberto. Encontro que resultou em sólida amizade e estreita
co-parceria, determinando novos rumos viagens e horizontes mais amplos
para Marcelo como profissional.
Magro, o sorriso de dentes
grandes e largos, as mãos frequentemente repousadas uma sobre a
outra, Marcelo escuta, com atenção total, quem fala. Não
há duvida: trata-se de um rapaz muito jovem, tímido e receptivo.
Mas os incautos que se cuidem: Marcelo acaba conseguindo tudo que quer.
E com a perfeição que quer.
Ah! E - para quem faz
questão de currículo em toda apresentação
de artista ou exposição - segue-se o de Marcelo Del Cima
de Alvarenga Menezes. Resumido. Aliás, resumidíssimo. Sim,
senhores. E sim, senhoras!
Ismenia Dantas
Novembro de 1989
PRESENTATION
I've told him a thousand
times not to call me ma'am. In the first place because I'm one. At least
chronologically and physically. I may not be quite radical, yet I am one.
Marcelo insists, however: yes ma'am, no ma'am, whenever you can, ma'am.
And I, who never grant others, or allow them to give me the ladyship treatment,
finally got used to it and made an exception.
The whole thing started
with a young pleasant voice that explained softly and cerimoniously:
"My name is Marcelo Del Cima; you don't know me. I took the liberty
of calling you because I am organizing an exposition in which the theme
is Sarah Bernhardt in Brasil, and I've heard about your collection of
Belle époque pieces, and I would like o count with your participation
in the show". That was the first among those thousands of times that
I refused the ladyship treatment. It didn't help at all, but I participated
nevertheless. The exhibit was in itself a masterpierce of organization,
good taste and refinement. It was difficult to believe that it was (as
it really was) Marcelo's first experience as an idealizer and trustee
of an exhibition. The pieces shown were lovely and unique, some belonging
to Marcelo's private collection. Pictures, postcards, pieces of furniture,
fans, manuscripts, newspaper clippings, autographed photos and drawings
all shown in an extremely consciencious atmosphere.
The pictures that Marisa
Alvarez Lima had made for the then recently opened play in which Tonia
Carreiro played Sarah were there. And the bases: Galle, Lallique, Tiffany,
all of them of extremely beautiful colours and textures, and on one of
them - unforgettable - Sarah Bernhardt's profile against the Corcovado
Mountain... without the statue of Christ of course, as the background.
Among all this splendour,
my postcards and Mucha's poster, the one that announced Sarah Bernhardt
in Lorenzaccio were like poor relations: they felt extremely honored by
the invitation, but didn't quite know what they were doing there. "Everyone
who is anyone" came for the opening night cocktail. From theatre,
movies and TV artists, to architects, decorators and antique dealers.
From the Golden Youth to intelectuals, from famous doctors, friends of
Marcelo's father (who is also a distinguished doctor), to journalists
as well as the most exotic characters in town, side by side with impeccable
and elegant gentlemen with unmistakable double or triple last names.
Once the exhibit was over,
the cards were returned to me in perfect conditions, at the assigned time
and date, plus the Mucha was returned enriched by the lovely period frame
with it was shown during the exposition.
Other irreprehensible,
as always, works of Marcelo followed. The same success was attained in
both popular and in the critics reviews. The same originality in their
themes, the same seriousness in his research and depth in his subject.
And now for the acquaintance made with Yolanda and Helio Roberto. A meeting
that resulted into a solid friendship and close partnership, which brought
about new ways, new trips and a broader experience for Marcelo as a professional
person.
A thin man, with a broad
and ample smile, his hands often poised one over the other, Marcelo listens
with total attention when spoken to. There is no doubt: he is a very timid
and receptive young man. But do not be deceived, let the incautions beware:
Marcelo gets what he wants in the end, and as perfect as he wants it.
Yes, sir, and yes ma'am!
Ismenia Dantas
November 1989
|