FIGURINHAS: SUCESSO DE MARKETING Samuel Gorberg O
ato de colecionar é tão antigo quanto o ser humano, pois
a motivação para tal tem seu embasamento em necessidades
psicogênicas. A maioria das listas de necessidades humanas tende
a ser diversa em conteúdo e extensão e, apesar de haver
pouca discórdia acerca das necessidades fisiológicas,
existe razoável desentendimento quanto às necessidades
psicológicas. |
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Indubitavelmente,
as mais famosas estampas foram editadas pela Liebig’s Extract of
Meat Company Limited e suas subsidiárias em vários países,
a partir de cerca de 1875 até 1960. Com os esforços de Georg
Christian Gibert, que havia montado fábrica experimental em Fray
Bentos, no Uruguai, foi registrada em Londres a companhia em 4 de dezembro
de 1865, tendo o Barão de Mauá, então em evidência
na City, participado da primeira Junta Diretora. Tendo efetuado o devido
licenciamente junto ao químico Justus Liebig, a empresa adotou
o seu nome para o extrato de carne que fabricava pelo processo que este
havia inventado. |
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O
grande público havia descoberto o colecionismo de cartões-postais
e estampas como hobby ao seu alcance. De
forma idêntica ao que havia ocorrido em outros países, a
febre do colecionismo aqui ocorreu, como descreve Luiz Edmundo no seu
livro “O Riode Janeiro do meu tempo”: |
“A bem dizer, o delírio do bilhete postal ilustrado só começa a inquietar-nos em 1904. Moda, a princípio, passa , depois, a obsessão.” As primeiras coleções de figurinhas e cromos editados no Brasil datam do final do século XIX. Colocados como brindes em carteiras de cigarros, foram utilizadas como marketing promocional pelas companhias Grande Manufactora de Fumos e Cigarros Veado ( José Francisco Corrêa & Cia – Rua da Assembléia nos 94 a 98 – Rio de Janeiro ), Souza Cruz e Sudam, basicamente no eixo Rio – São Paulo. Os protagonistas do movimento republicano até 1900, os animais do jogo do bicho, e as artistas de cinema, teatro, e cabaré, foram os temas prediletos das coleções. Além da grande maioria das estampas ou cromos apresentarem cuidadoso tratamento gráfico, o fato de algumas coleções completas darem direito a prêmios estimulou ainda mais o interesse por elas, o que é possível observar através de inúmeros anúncios de jornais daquele período, onde produto e respectivo brinde são divulgados com idêntica importância.
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Em
1917 o imigrante judeu alemão Paulo Stern, químico de profissão,
estabelece-se com negócio de essências na Rua São
Pedro, rua esta que desapareceu quando da abertura da Av. Presidente Vargas.
Após o término da 1ª. Guerra Mundial, em 1919, aqui
chega o irmão Ricardo Stern, que ingressa na sociedade e a dinamiza.
Face à disponibilidade de essência de eucalipto, planejaram
os irmãos Stern a construção de uma fábrica
onde seriam manufaturados produtos para toalete. O prédio foi inaugurado
em 1924 e em 1926 foram iniciadas as vendas do sabonete EUCALOL. |
Sem
terem efetuado a devida pesquisa do produto antes de sua fabricação,
condição básica de um perfeito planejamento de marketing,
os irmãos Stern foram surpreendidos com a recusa dos varejistas
e consumidores ao produto: sua cor era verde e o mercado estava acostumado
a sabonetes com cores branca ou rosa. Partiram para a divulgação
do produto por meio de anúncios, inclusive realizando em 1928 concurso
de versos, com distribuição de prêmios aos vencedores.
Mas os resultados não foram satisfatórios e, os irmãos
Stern desenvolveram outra estratégia de marketing promocional:
a colocação de 3 estampas dentro de cada caixa que continha
3 sabonetes Eucalol. Tudo indica que esta idéia ocorreu em virtude
de, em sendo alemães, terem vivido o intenso colecionismo de estampas
Liebig na Alemanha, visto o álbum das estampas Eucalol ser idêntico
ao álbum das Liebig, as séries serem também em número
de 6 e, duas séries das Eucalol serem idênticas às
das Liebig (A Conquista do México e O Descobrimento do caminho
marítimo para a Índia). O tremendo sucesso deste marketing,
com o colecionismo das estampas Eucalol, elevou a Perfumaria Myrta ao
píncaro do mercado brasileiro de sabonete e propiciou o sucesso
de outro produto, aproveitando o intenso hobby que se manifestava na população:
as balas com figurinhas premiadas. |
ANÚNCIO DE 1927 |
Em 1928 surge no mercado
brasileiro o álbum “Novo Mundo”, da Fábrica
de Balas e Biscoitos Novo Mundo ( Pedro Tarnowsky & Cia – Av.
Celso Garcia no 230 – São Paulo ) , oferecendo prêmios
como bicicleta, rádio, relógio e máquina fotográfica
aos que conseguissem completá-lo, sem que, entretanto, tenha obtido
grande sucesso, tanto é que não renovou a experiência.
Restou-lhe a primazia de ter lançado no Brasil o primeiro álbum,
pois, até então, nenhuma figurinha ou cromo tivera álbum
para o seu colecionismo feito especialmente pela empresa promotora. |
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Não
se sabe ao certo o ano em que a Fábrica de Balas A Hollandeza (
Weissman & Cimelfarb – Rua Lavapés no 69A – São
Paulo ) lançou o seu primeiro álbum, estima-se ter sido
cerca de 1931. Embora não tenha alcançado grande sucesso,
imagina-se que, vendo nos anos seguintes o colecionismo que se manifestava
com as “ESTAMPAS EUCALOL”, resolveu relançar o álbum
em 1934, aí sim, causando verdadeiro furor na população
do eixo Rio – São Paulo. Pessoas que vivenciaram está
época contam que, no Rio de Janeiro, no largo da Carioca, perto
da Galeria Cruzeiro, reuniam-se vários grupos, enormes, negociando
e trocando figurinhas. Em Santos o assunto foi objeto de matéria
de primeira página do jornal “Tribuna de Santos” de
7 de novembro de 1934. A figurinha difícil deste álbum,
série 1 no 11, O Clavel do Ar, é a que teve maior repercussão
até hoje dentre as figurinhas brasileiras, chegando a ser vendida
por cem mil réis. |
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A
Cia. Jardim de Cafés Finos, que em campanha pelo seu produto “Café
Jardim” havia editado 5 álbuns de figurinhas durante o ano
de 1940, viu coroada de sucesso a sua estratégia de marketing,
contratando em 1941 Monteiro Lobato para fazer o texto do álbum
“As Aventuras do Barão de Munchaussen”, visando aproveitar
a enorme penetração que aquele havia alcançado junto
ao público infantil. Na esteira deste resultado, novo álbum
“ Um sonho na caverna” foi editado em 1944, igualmente com
texto de Monteiro Lobato. No álbum “Maravilhas Jardim”,
editado em 1950, a empresa presta homenagem à memória de
Monteiro Lobato ? que havia falecido em 1948 – colocando uma página
com o título “O amigo das crianças” e 8 figurinhas,
sendo uma do autor e as demais de seus inesquecíveis personagens
Narizinho, Pedrinho & Cia. |
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“Monteiro
Lobato foi um pioneiro também no campo dos álbuns de figurinhas,
pois criou para a Cia. Jardim dois dos seus mais famosos álbuns:
“A Aventura do Barão de Munchaussen” e “Um Sonho
na Caverna”, atesta a companhia no rodapé desta página. |
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Quem
viveu no Brasil após a 2ª Guerra Mundial e não se recorda
das “Balas Fruna”? O produto era bom, diferente da grande
maioria das balas que usavam o marketing das figurinhas premiadas para
conquistarem o público consumidor. De qualquer forma, o colecionismo
incentivava as vendas, e a Falchi editou 4 álbuns, todos com artistas
de cinema. O último e mais famoso tinha a “figurinha difícil”
de número 34, o artista Nils Aster. Eu colecionei este álbum,
e como muita gente, busquei em vão a “maldita” no 34.
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Na década de 1950 repetir-se-ia o fenômeno que havia ocorrido cerca de 20 anos antes com o álbum das balas “A Hollandeza”: as “Balas Ruth”, que movimentou a cidade do Rio de Janeiro com vendas, trocas e buscas de figurinhas mais raras. Transformado em obsessão, contagiou não só crianças mas também adultos. Quem tem cerca de 60 anos e não se lembra das “Balas Ruth”? Só quem não teve infância... |
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A
“indústria” da figurinha difícil nas balas premiadas
estava chegando ao fim. Ao regulamentar a Lei no 5.768 de 20 de dezembro
de 1971, o Governo Federal, através do Decreto no 70.951 de 9 de
agosto de 1972, em seu artigo 11, determina que “não serão
autorizados os planos que tenham por condição a distribuição
de prêmios com base na organização de séries
ou coleções de qualquer espécie, tais como símbolos,
gravuras, cromos (“figurinhas”), objetos, rótulos,
embalagens ou envoltórios”. Na década de 1980, os Estados de São Paulo e Espírito Santo desenvolveram campanhas para aumentar a arrecadação do ICM (Imposto de Circulação de Mercadorias), trocando determinado valor de notas fiscais por pacote de figurinhas. O “Paulistinha” chegou a originar o “figureiro”, uma nova profissão informal, gente vivendo de negociar as figurinhas que eram ávidamente disputadas pela população. E no Espírito Santo, com os 2 álbuns “Amigos do Jucapixaba”, ocorreu um aumento de arrecadação do imposto de cerca de 40%, tendo esta campanha ganhado o Prêmio Top de Marketing 1981. |
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A compulsão que
todos têm, em maior ou menor grau, de juntar peças e coisas
da mesma natureza e guardar, principalmente as crianças, faz com
que as figurinhas tenham vida eterna. Hoje em dia mudou o foco, não
se ganha mais prêmio material ao prencher totalmente o álbum,
além do prêmio maior da própria satisfação
de te-lo completado. Ai está a Grupo Panini para dizer se figurinha
tem público, tendo faturado em 1999 cerca de 200 milhões
de dólares, posuindo 643 funcionários e distribuíndo
produtos em mais de 100 países. Como disse Artur da Távola: “A figurinha nos permite, afinal, anos e anos depois, ter um reencontro cheio de saudade com os heróis, os mitos e os mágicos que encantaram os melhores sonhos da infância e juventude. Eles nunca mais nos abandonam, ainda que durando apenas como emocionada recordação. Eles são o que fomos em estado de exaltação e fantasia. São o cortejo encantado dos nossos sonhos.” |
| Créditos: Álbuns “Novo Mundo” – “Um sonho na caverna” – “Fruna” – “Ruth” – Acervo Prof. Margarida Menezes Álbum “As aventuras do Barão de Munchaussen” – Acervo José Vinicius do Amaral Demais imagens – Acervo Samuel Gorberg |